terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Entendendo a Paralisia Cerebral

    Acredito que encontrei um manual básico de informações sobre o que é PC e como tratar as lesões decorrentes da parada cardiorrespiratória. Divido agora, por acreditar que a informação é o melhor caminho para lidar com isso. 

    Se ao menos um pai ou mãe puder aproveitar, como eu, estas informações, já terá valido a pena. Se ao menos um familiar ou amigo for capaz de explorar este universo ao nosso lado, já terá sido uma pequena grande conquista.   


Paralisia Cerebral

Introdução

O termo paralisia cerebral (PC) é usado para definir qualquer desordem caracterizada por alteração do movimento secundária a uma lesão não progressiva do cérebro em desenvolvimento.
O cérebro comanda as funções do corpo. Cada área do cérebro é responsável por uma determinada função, como os movimentos dos braços e das pernas, a visão, a audição e a inteligência. Uma criança com PC pode apresentar alterações que variam desde leve incoordenacão dos movimentos ou uma maneira diferente para andar até inabilidade para segurar um objeto, falar ou deglutir.
O desenvolvimento do cérebro tem início logo após a concepção e continua após o nascimento. Ocorrendo qualquer fator agressivo ao tecido cerebral antes, durante ou após o parto, as áreas mais atingidas terão a função prejudicada e, dependendo da importância da agressão, certas alterações serão permanentes caracterizando uma lesão não progressiva.
Dentre os fatores potencialmente determinantes de lesão cerebral irreversível, os mais comumente observados são infecções do sistema nervoso, hipóxia (falta de oxigênio) e traumas de crânio. O desenvolvimento anormal do cérebro pode também estar relacionado com uma desordem genética, e nestas circunstâncias, geralmente, observa-se outras alterações primárias além da cerebral. Em muitas crianças, a lesão ocorre nos primeiros meses de gestação e a causa é desconhecida.

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Tipos de Paralisia Cerebral
O tipo de alteração do movimento observado está relacionado com a localização da lesão no cérebro e a gravidade das alterações depende da extensão da lesão. A PC é classificada de acordo com a alteração de movimento que predomina. Formas mistas são também observadas.
Espástica
Quando a lesão está localizada na área responsável pelo início dos movimentos voluntários, trato piramidal, o tônus muscular é aumentado, isto é, os músculos são tensos e os reflexos tendinosos são exacerbados. Esta condição é chamada de paralisia cerebral espástica.
As crianças com envolvimento dos braços, das pernas, tronco e cabeça (envolvimento total) têm tetraplegia espástica e são mais dependentes da ajuda de outras pessoas para a alimentação, higiene e locomoção. A tetraplegia está geralmente relacionada com problemas que determinam sofrimento cerebral difuso grave (infecções, hipóxia e traumas) ou com malformações cerebrais graves.
Quando a lesão atinge principalmente a porção do trato piramidal responsável pelos movimentos das pernas, localizada em uma área mais próxima dos ventrículos (cavidades do cérebro), a forma clínica é a diplegia espástica, na qual o envolvimento dos membros inferiores é maior do que dos membros superiores. A região periventricular é muito vascularizada e os prematuros, por causa da imaturidade cerebral, com muita frequência apresentam hemorragia nesta área. As alterações tardias provocadas por esta hemorragia podem ser visualizadas com o auxílio da neuroimagem (leucomalácea periventricular). Por este motivo, a diplegia espástica é quase sempre relacionada com prematuridade. Esta forma é menos grave do que a tetraplegia e a grande maioria das crianças adquire marcha independente antes dos oito anos de idade.
Na hemiplegia espástica, são observadas alterações do movimento em um lado do corpo, como por exemplo, perna e braço esquerdos. As causas mais freqüentes são alguns tipos de malformação cerebral, acidentes vasculares ocorridos ainda na vida intra-uterina e traumatismos crânio-encefálicos. As crianças com este tipo de envolvimento apresentam bom prognóstico motor e adquirem marcha independente. Algumas apresentam um tipo de distúrbio sensorial que impede ou dificulta o reconhecimento de formas e texturas com a mão do lado da hemiplegia. Estas crianças têm muito mais dificuldade para usar a mão.
As crianças com espasticidade tendem a desenvolver deformidades articulares porque o músculo espástico não tem crescimento normal. Flexão e rotação interna dos quadris, flexão dos joelhos e equinismo são as deformidades mais freqüentes nas crianças que adquirem marcha. Além destas, as crianças com tetraplegia espástica podem desenvolver ainda, luxação paralítica dos quadris e escoliose.
Com movimentos involuntários
Quando a lesão está localizada nas áreas que modificam ou regulam o movimento, trato extrapiramidal, a criança apresenta movimentos involuntários, movimentos que estão fora de seu controle e os movimentos voluntários estão prejudicados.
Esta condição é definida como paralisia cerebral com movimentos involuntários forma coreoatetósica ou distônica. O termo coreoatetose é usado para definir a associação de movimentos involuntários contínuos, uniformes e lentos (atetósicos) e rápidos, arrítmicos e de início súbito (coreicos). A criança com PC tipo distônica apresenta movimentos intermitentes de torção devido à contração simultânea da musculatura agonista e antagonista, muitas vezes acometendo somente um lado do corpo. A PC com movimentos involuntários está freqüentemente relacionada com lesão dos gânglios da base (núcleos localizados no centro do cérebro, formados pelos corpos dos neurônios que compõem o trato extra-piramidal), causada por hiperbilirrubinemia neonatal. A bilirrubina é um pigmento amarelo liberado das hemáceas (células do sangue que transportam o oxigênio) quando elas se rompem. Nas incompatibilidades sanguíneas, este pigmento pode ser liberado em grande quantidade. O recém-nascido torna-se ictérico (a pele e as conjuntivas assumem uma cor de tonalidade amarela). Assim como esse pigmento se deposita na pele, pode se depositar também nos gânglios da base. Os movimentos involuntários podem ser leves ou acentuados e são raramente observados durante o primeiro ano de vida. Nas formas graves, antes desta idade a criança apresenta hipotonia (tônus muscular diminuído) e o desenvolvimento motor é bastante atrasado. Muitas crianças não são capazes de falar, andar ou realizar movimentos voluntários funcionais e são, portanto, dependentes para a alimentação, locomoção e higiene.
Atáxica
A paralisia cerebral atáxica está relacionada com lesões cerebelares ou das vias cerebelares. Como a função principal do cerebelo é controlar o equilíbrio e coodenar os movimentos, as crianças com lesão cerebelar apresentam ataxia ou seja, marcha cambaleante por causa da deficiência de equilíbrio, e apresentam, ainda, incoordenação dos movimentos com incapacidade para realizar movimentos alternados rápidos e dificuldade para atingir um alvo. Por exemplo, se a criança for apertar um botão que liga/desliga um aparelho elétrico com o seu indicador, ela tem dificuldade para comandar o movimento de maneira a colocar o dedo exatamente sobre o botão e no final do movimento observa-se um tremor grosso. Quando a lesão é muito extensa, o atraso do desenvolvimento motor é importante e é possível que a criança nunca seja capaz de andar sem apoio. Assim como nas formas extrapiramidais de PC, durante o primeiro ano de vida, a alteração observada é a hipotonia. A alteração mais freqüentemente encontrada é a ataxia associada a sinais piramidais (tônus muscular aumentado e reflexos tendinosos exacerbados). Ataxia pura em crianças com PC é rara.

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Causas
Desde que o médico inglês William Little, nos anos 1860s, descreveu pela primeira vez as alterações clínicas encontradas em uma criança com PC e relacionou estas alterações com hipóxia (baixa de oxigênio), se valorizou muito o papel da hipóxia perinatal e dos traumas de parto como fatores determinantes de lesões cerebrais irreversíveis. E mesmo depois de Sigmund Freud, em 1897, ter chamado a atenção para o fato de que se muitas das crianças apresentavam além das alterações motoras, outros problemas, tais como, retardo mental, convulsões e distúrbios visuais, o mais provável é que a causa pudesse estar também relacionada com agressões ocorridas em fases bem mais precoces da vida intra-uterina, a hipóxia perinatal foi considerada até recentemente como a principal causa de PC. O pensamento de Freud era que em certos casos, os problemas ao nascer seriam, na realidade, conseqüência de um desenvolvimento anormal do cérebro.
Durante anos, essas observações de Freud não foram muito valorizadas até que no final dos anos 1980s, pesquisas importantes realizadas nos Estados Unidos e na Austrália demonstraram que tanto a hipóxia quanto outros problemas neonatais não são as principais causas de PC e que na maioria das crianças com PC a causa era desconhecida. Desordens genéticas, fatores teratogênicos ou outras influências nas fases iniciais da gravidez teriam que ser mais intensamente investigadas. Com os avanços da tecnologia para diagnóstico, principalmente nas áreas da imagem e da genética, uma melhor compreensão das causas de PC vem sendo cada vez mais possível. Um número significativo de crianças que antes recebiam o diagnóstico de PC por hipóxia perinatal porque demoraram para chorar e tiveram cianose (ficaram roxinhas), hoje, depois da ressonância magnética, recebem o diagnóstico de uma malformação cerebral, e a implicação deste fato é que a causa do problema é uma desordem genética ou um fator agressivo ocorrido nas primeiras semanas ou meses de gestação.
Dentre as causas pré-natais, além das desordens genéticas, as mais importantes são infecções congênitas (citomegalia, toxoplasmose, rubéola) e hipóxia fetal decorrente de complicações maternas, como no caso das hemorragias. A exposição da mãe a substâncias tóxicas ou agentes teratogênicos tais como radiação, álcool, cocaína e certas medicações principalmente nos primeiros meses de gestação são fatores de risco que têm que ser considerados.
As causas perinatais estão relacionadas principalmente com complicações durante o parto, prematuridade e hiperbilirrubinemia.
As principais causas de paralisia cerebral pós-natal são infecções do sistema nervoso central (meningites e encefalites), traumatismo crânio-encefálico e hipóxia cerebral grave (quase afogamento, convulsões prolongadas e parada cardíaca).

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Prevenção
Acompanhamento pré-natal regular e boa assistência ao recém-nascido na sala de parto diminuem a possibilidade de certas crianças desenvolverem lesão cerebral permanente. Por outro lado, muitas das crianças que superam situações críticas com a ajuda de recursos sofisticados das terapias intensivas neonatais modernas, principalmente os prematuros, sobrevivem, mas com seqüelas neurológicas. Portanto, apesar de ter havido uma evolução importante em termos de atendimento à gestante e ao recém-nascido na sala de parto, nos últimos 40 anos não houve uma redução significativa da prevalência da PC mesmo nos países desenvolvidos. De qualquer forma, houve uma modificação da história natural. Muitas das formas graves de PC estão relacionadas com causas que podem ser prevenidas como hipóxia perinatal, infecções congênitas e hiperbilirrubinemia neonatal, e a prematuridade está relacionada com diplegia espástica, tipo de paralisia cerebral de melhor prognóstico.
Todo esforço para que o período gestacional seja o mais saudável possível através da manutenção de uma boa nutrição e da eliminação do uso de álcool, fumo, drogas e medicações sabidamente teratogênicas deve ser feito, pois estas medidas estarão contribuindo para a prevenção de alguns tipos de PC. A rubéola congênita pode ser prevenida se a mulher for vacinada antes de engravidar. Quanto à toxoplasmose materna, medidas de higiene, como não ingerir carnes mal cozidas ou verduras que possam estar contaminadas com fezes de gato são importantes. As gestantes com sorologia positiva devem ser adequadamente tratadas, diminuindo assim os riscos de infecção fetal. A incompatibilidade Rh pode ser facilmente prevenida (vacina anti-Rh+) e identificada. Quando a bilirrubina não conjugada no recém-nascido atinge níveis críticos, a criança deve ser submetida a ex-sanguíneotransfusão (troca de parte do volume sanguíneo). O tratamento adequado da incompatibilidade sanguínea reduziu em muito a incidência da PC com movimentos involuntários.
No período pós-natal, uma das principais causas de PC é o traumatismo crânio-encefálico que pode ser prevenido, em algumas circunstâncias, com o uso de cadeiras de segurança especiais para crianças pequenas, ajustadas nos bancos dos automóveis. Outra causa importante é a anóxia cerebral grave por quase afogamento e o número de crianças com lesão cerebral por quase afogamento em Brasília é relativamente elevado, justificando uma campanha de prevenção. Algumas das infecções cerebrais podem ser prevenidas com vacinas, como por exemplo, contra sarampo, meningite meningogócica e Haemophilus influenzae.

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Diagnóstico
Dificuldade de sucção, tônus muscular diminuído, alterações da postura e atraso para firmar a cabeça, sorrir e rolar são sinais precoces que chamam a atenção para a necessidade de avaliações mais detalhadas e acompanhamento neurológico.
A história clínica deve ser completa e o exame neurológico deve incluir a pesquisa dos reflexos primitivos (próprios do recém-nascido), porque a persistência de certos reflexos além dos seis meses de idade pode indicar presença de lesão cerebral. Reflexos são movimentos automáticos que o corpo faz em resposta a um estímulo específico. O reflexo primitivo mais conhecido é o reflexo de Moro que pode ser assim descrito: quando a criança é colocada deitada de costas em uma mesa sobre a palma da mão de quem a examina, a retirada brusca da mão causa um movimento súbito da região cervical, o qual inicia a resposta que consiste inicialmente em abdução (abertura) e extensão dos braços com as mãos abertas seguida de adução (fechamento) dos braços como em um abraço. Este reflexo é normalmente observado no recém-nascido, mas com a maturação cerebral, respostas automáticas como esta são inibidas. O reflexo de Moro é apenas um dentre os vários comumente pesquisados pelo pediatra ou fisioterapeuta.
Depois de colhida a história clínica e realizado o exame neurológico, o próximo passo é afastar a possibilidade de outras condições clínicas ou doenças que também evoluem com atraso do desenvolvimento neurológico ou alterações do movimento como as descritas anteriormente. Exames de laboratório (sangue e urina) ou neuroimagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética) poderão ser indicados de acordo com a história e as alterações encontradas ao exame neurológico. Estes exames, em muitas situações, esclarecem a causa da paralisia cerebral ou podem confirmar o diagnóstico de outras doenças.

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Desordens Associadas
O termo paralisia cerebral implica alterações do movimento, mas a presença de outros distúrbios deve ser investigada e o sucesso do tratamento depende da abordagem correta de todos os problemas associados.
Retardo Mental
A avaliação da função intelectual em crianças com certos tipos de envolvimento é difícil, porque a maioria dos testes normalmente aplicados para avaliar o desenvolvimento cognitivo requer respostas verbais e motoras, e um julgamento baseado apenas nas impressões iniciais pode levar a uma conclusão incorreta.
Muitas crianças com disartria grave, a princípio consideradas como intelectualmente deficientes, a partir do momento em que puderam se comunicar utilizando meios alternativos, foram reconhecidas como sendo muito mais capazes intelectualmente do que se supunha. De qualquer maneira, a alta incidência de alterações cognitivas em alguns tipos de PC é reconhecida. O retardo mental é mais comumente observado nas crianças com tetraplegia espástica.
Epilepsia
Os neurônios (células nervosas) estão permanentemente gerando impulsos elétricos. Esta atividade elétrica ocorre, normalmente, de uma maneira organizada. Quando certos grupos de neurônios entram em atividade excessiva e hipersincrônica, ou seja, quando vários neurônios entram em atividade elétrica ao mesmo tempo, ocorre um distúrbio do funcionamento do sistema nervoso central. Estes episódios de descarga elétrica anormal são chamados de crises epilépticas. Estas crises podem evoluir com hiperextensão e contrações musculares (convulsões), perda súbita do tônus muscular, perda ou alteração temporária da consciência e alteração temporária do comportamento.
Uma criança em crise pode apresentar os seguintes sinais: contrações musculares generalizadas ou localizadas, movimentos rítmicos com a cabeça, desvio do olhar para cima ou para o lado, movimentos rápidos de piscar os olhos, movimentos mastigatórios, ausência de resposta a uma solicitação verbal, episódios breves de olhar parado ou vago, ou crises de medo.
Quando existe dúvida quanto à possibilidade da criança estar apresentando qualquer um desses sinais, o melhor a fazer é registrar as alterações observadas procurando descrever o sintoma, que parte do corpo envolveu, a hora em que ocorreu e quanto tempo durou. Somente o médico, muitas vezes com o auxílio do eletroencefalograma (EEG), pode confirmar se a criança está realmente apresentando crises e orientar o tratamento correto. O EEG pode ser visto como uma extensão do exame neurológico e o que ele registra é basicamente a atividade elétrica expontânea do cérebro. Muitas vezes, mesmo para o pediatra ou neurologista, é difícil definir se as crises são realmente epilépticas ou se estão relacionadas com outros tipos de distúrbio. Nesses casos, os estudos feitos com EEG prolongado e vídeo podem esclarecer o diagnóstico.
Além da epilepsia, muitas outras condições podem determinar crises convulsivas isoladas tais como desidratação grave, hipoglicemia, infecções cerebrais ou intoxicações. O que caracteriza a epilepsia é a repetição de crises não provocadas, ou seja, não determinadas por um processo patológico agudo.
A Liga Internacional contra a Epilepsia classifica as crises em generalizadas e parciais. As generalizadas envolvem o cérebro como um todo. As parciais permanecem restritas a uma certa área do cérebro e os sintomas dependem da área envolvida. Uma criança com PC pode apresentar qualquer tipo de crise.
A crise do tipo tônico-clônica generalizada é a que mais preocupa os pais ou outras pessoas que a presenciam, mas na maioria das vezes ela é auto-limitada e para em dois a dez minutos. Na presença de uma crise tônico-clônica generalizada, a criança deve ser protegida de traumas, as contrações musculares não devem ser contidas e a cabeça deve ser mantida em posição rodada lateralmente para evitar aspirações no caso de vômitos. Não se deve tracionar a língua ou introduzir qualquer objeto na boca da criança. A respiração pode alterar-se durante a crise, mas normaliza-se nos primeiros minutos. Quando a criança apresenta crises sub-entrantes, sem retomar a consciência entre uma e outra, ou uma crise tônico-clônica com mais de 20 minutos de duração, ela entra em estado de mal epiléptico (status epilepticus). O estado de mal epiléptico é uma emergência pediátrica.
O tratamento da epilepsia deve ser introduzido assim que se faz o diagnóstico. Nas fases iniciais do tratamento com anticonvulsivantes, algumas crianças apresentam sonolência, mas esta reação tende a desaparecer ao final de um certo período. Qualquer reação deve ser relatada ao pediatra ou neurologista e algumas delas, como irritabilidade ou as de tipo alérgico justificam a substituição do anticonvulsivante. Quando as crises são controladas, melhora tanto motora quanto cognitiva pode ser observada e, mesmo tendo cessado as crises, o tratamento deve ser mantido por, no mínimo, dois ou três anos. Uma vez iniciado o anticonvulsivante, a dose somente deve ser alterada conforme orientação médica. A suspensão súbita da medicação pode desencadear estado de mal epiléptico com possibilidade de agravamento do quadro neurológico. Algumas formas de epilepsia são resistentes ao tratamento com anticonvulsivantes
Aterações Visuais
Quando a criança nasce, o seu sistema visual não é ainda maturo. A fóvea, parte da retina responsável pela acuidade visual, não está completamente desenvolvida. As células desta região passam por um processo de crescimento e organização e somente alcançam a maturidade por volta dos quatro anos de idade. Normalmente, em torno dos três meses de vida, a criança já é capaz de fixar e acompanhar um objeto em movimento, mas a visão binocular se desenvolve somente entre o terceiro e o sétimo mês.
Na PC, o estrabismo é freqüente. Catarata (opacidade do cristalino), coriorretinite (inflamação da coroide e da retina) e glaucoma (aumento da pressão ocular) são desordens oculares comumente encontradas nas infecções congênitas.
Aproximadamente 2/3 dos prematuros de peso abaixo de 1250g desenvolvem algum grau de retinopatia do prematuro. Nos prematuros, o oxigênio usado para tratar a síndrome de esforço respiratório pode alterar o crescimento dos vasos sanguíneos da retina, predispondo a miopia, estrabismo e glaucoma. Nos casos mais graves, uma cicatriz fibrosa descola a retina do fundo do olho determinando perda da visão. Mesmo se tomando todas as medidas para prevenir a retinopatia do prematuro, ela pode ocorrer, e por este motivo, todos os prematuros tratados com oxigênio devem ser referidos para avaliações oftalmológicas periódicas durante os primeiros meses de vida.
A córtex visual é a região do lobo occipital responsável pela recepção e decodificação da informação enviada pelos olhos. Uma lesão nesta área pode determinar perda visual que neste caso é chamada de deficiência visual cortical (DVC). As causas mais frequentes de DVC são hipóxia, infecções do sistema nervoso central, traumatismo crânio-encefálico e hidrocefalia. Os testes eletrofisiológicos completam a avaliação clínica e podem determinar se a causa da deficiência visual está nos olhos ou no cérebro. O eletrorretinograma avalia a função retiniana e o potencial evocado visual avalia as vias nervosas do olho até a córtex visual. Na DVC, apesar dos testes iniciais indicarem deficiência importante, muitas crianças desenvolvem alguma função visual e a estimulação favorece de alguma maneira o desenvolvimento da visão.
É importante fazer a diferença entre DVC e atraso da maturação visual nas crianças que apresentam resposta inadequada aos estímulos visuais. As crianças com atraso da maturação visual, geralmente, não têm história de problemas durante a gestação ou o nascimento e têm exame oftalmológico normal, embora possam apresentar algum atraso do desenvolvimento psicomotor. O prognóstico é bom, ocorrendo melhora espontânea da função visual com o desenvolvimento da criança.
Todas as crianças com diminuição da resposta aos estímulos visuais ou alterações oculares devem ser avaliadas por oftalmologista interessado no diagnóstico e tratamento das doenças oculares infantis.
Deficiência Auditiva
Algumas crianças com paralisia cerebral têm deficiência auditiva e o diagnóstico precoce é importante porque no primeiro ano de vida, a experiência de escutar a fala humana orienta a formação de conexões nervosas em nível encefálico relacionadas à capacidade de linguagem e comunicação oral. A privação sensorial, nessa fase, pode comprometer o desenvolvimento dessas conexões. Alguns estudos em crianças com deficiência auditiva demonstraram que, mais do que o grau da deficência, o diagnóstico e a intervenção precoce (marcadamente até os 6 meses de idade) foram o melhor fator prognóstico para a aquisição da linguagem.
Na década de 80, o Comitê Americano para Audição na Infância recomendava a triagem neonatal para todas as crianças de risco (infecções congênitas, malformações do pavilhão auricular, face ou pálato, peso ao nascer inferior a 1500g, hiperbilirrubinemia neonatal grave, meningite bacteriana, asfixia perinatal e uso de medicações tóxicas para o ouvido). Contudo constatou-se que investigar apenas as crianças de risco permite identificar somente cerca de 50% dos casos de deficiência auditiva. A partir de 1994 foi proposta então a Triagem Auditiva Neonatal Universal.
Os métodos propostos para esta triagem são o potencial evocado auditivo de tronco encefálico (Brainstem Evoked Response Audiometry - BERA) e as emissões otoacústicas evocadas ('teste da orelhinha'), ditas fisiológicas, porque não é necessária uma resposta comportamental da criança para a interpretação do resultado. O primeiro teste consiste na medida eletrofisiológica do nervo auditivo e das vias auditivas no tronco encefálico para diferentes tipos de sons e o segundo no registro da resposta sonora natural apresentada pelas células ciliadas da cóclea a um estímulo sonoro. São métodos rápidos, não invasivos e de fácil aplicação. Um resultado anormal não é conclusivo para o diagnóstico de deficiência auditiva, mas indica a necessidade de avaliação audiológica completa em serviço especializado.
O diagnóstico precoce de deficiência auditiva possibilita a intervenção precoce favorecendo o processo de aprendizagem. O programa de tratamento pode englobar uso de amplificadores, implante coclear, linguagem de sinais e treinamento da fala.
Dificuldades para a Alimentação
Desordens da sucção, mastigação e deglutição são comuns nas crianças com envolvimento total. Todos estes fatores contribuem para uma ingesta alimentar abaixo das necessidades. Além disso, muitas crianças com limitações motoras são mantidas por longos períodos com dietas próprias para bebês. A oferta monótona de certos tipos de alimento, tais como, leite e derivados, farináceos ou sucos após os seis meses de idade pode determinar quadros de anemias carenciais (principalmente por falta de ferro), desnutrição e infecções de repetição. A criança desnutrida não cresce normalmente e sua resposta aos estímulos que promovem o desenvolvimento é prejudicada.
A dieta deve ser planejada de acordo com as características clínicas e as limitações de cada criança. Por exemplo, para facilitar a deglutição e reduzir o refluxo de parte do conteúdo gástrico para o esôfago, recomenda-se manter a criança com a cabeça e o tronco em posição semi-elevada durante e por alguns minutos após cada refeição. Nas crianças com refluxo gastroesofágico, as refeições devem ser de menor volume e oferecidas em intervalos de tempo menores para que não haja prejuízo do total de nutrientes ingeridos em um dia. As crianças com dificuldade para deglutir líquidos, devem ser alimentadas com pequenos volumes de dieta pastosa e de sucos engrossados com frutas e gelatinas, procurando-se assim manter um bom nível de hidratação.
Constipação Intestinal
Quanto mais tempo as fezes permanecem no colo, maior é a absorção de água e mais endurecidas elas ficam, resultando em constipação. A constipação intestinal crônica decorre de vários fatores, entre os quais pequena ingestão de fibras e líquidos, atividade física reduzida, e uso de medicações como antiácidos e certos antiepilépticos.
A ingestão adequada de líquidos em geral, alimentos ricos em fibras tais como frutas (mamão, abacaxi, laranja com bagaço, ameixa preta, manga, melancia), verduras (principalmente as folhagens cruas), leguminosas (feijão, ervilha, lentilha) e alimentos integrais melhoram o funcionamento intestinal e são medidas que devem ser recomendadas se o colo (intestino grosso) ainda não estiver dilatado.
Quando a constipação é grave e não se observa resposta às orientações iniciais, os alimentos ricos em fibras devem ser suspensos imediatamente e a possibilidade de megacolo deve ser investigada. O tratamento correto do megacolo (dilatação do intestino grosso) requer a orientação de um pediatra com experiência neste tipo de problema.

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Tratamento
O tratamento em suas diferentes modalidades, envolve profissionais de várias áreas e a família. A PC não tem cura, mas seus efeitos podem ser minimizados. O objetivo principal deve ser promover o maior grau de independência possível.
Estimulação do Neurodesenvolvimento
O principal objetivo é estimular o desenvolvimento de padrões funcionais de movimento através de experiências neurosensoriais. A estimulação cognitiva deve ter início em conjunto com a motora. No SARAH, os estímulos a serem utilizados são selecionados, levando-se em conta as etapas do desenvolvimento e o interesse demonstrado pela criança. Sempre que possível, o programa é desenvolvido através de atividades integradas. Os pais aprendem os exercícios programados e como cuidar da criança em casa. A frequência dos retornos para acompanhamento, reavaliações e reorientações é estabelecida de acordo com as necessidades da criança e da família.
Vários trabalhos demonstraram que um bom relacionamento afetivo pais-criança favorece o processo de desenvolvimento. Além disso, os programas de estimulação desenvolvidos por pais comprovaram ser mais efetivos. Entretanto, problemas emocionais, falta de conhecimento sobre o real significado de uma lesão cerebral irreversível e programas inadequados dificultam uma participação positiva. As informações devem ser levadas em linguagem simples e de forma gradual. O profissional que estiver coordenando o tratamento deve ter disponibilidade de tempo para ouvir e respeitar questionamentos, críticas e sugestões dos pais.
Atividades Físicas
Atividades físicas bem orientadas promovem o alongamento e o fortalecimento muscular, favorecem melhor desempenho motor e interferem de maneira positiva com relação ao desenvolvimento emocional e social.
Natação, dança, ginástica, futebol, equitação ou outras atividades esportivas são, indiscutivelmente, muito mais benéficas para determinado grupo de crianças do que tratamentos fisioterápicos realizados dentro de um hospital ou centro de reabilitação.
Treinamento nas Atividades de Vida Diária
Atividades de vida diária (AVDs) são atividades do dia-a-dia de uma pessoa. As AVDs incluem alimentação, vestuário, higiene, mobilidade, locomoção, comunicação e demais atividades realizadas tanto em casa quanto na vida comunitária (escola, trabalho e lazer).
Um grande número de crianças com paralisia cerebral apresenta dificuldades para a realização das AVDs e, dependendo do grau das limitações motoras, técnicas de execução, adaptações, e o uso de dispositivos especiais poderão favorecer o desempenho nessas atividades.
As crianças com envolvimento motor moderado podem realizar muitas atividades de forma independente, mesmo estando ainda em idade pré-escolar, mas o ritmo e a maneira própria de cada uma devem ser respeitados.
Para as crianças com acometimento motor grave, faz-se necessário, muitas vezes, o uso de adaptações, como por exemplo, talheres com cabo engrossado, copos com canudos e alças largas para facilitar a preensão e pratos com ventosas.
Com relação ao vestuário, a criança pode descobrir com os pais e a ajuda dos profissionais que a assistem as posições que facilitam um maior grau de independência e os tipos mais apropriados de roupas e calçados. As roupas devem ser largas, confeccionadas em tecidos leves e fechadas com zíper, velcro ou botões grandes. O uso de calçadeiras e ganchos com cabos alongados favorecem maior independência para calçar e vestir. Cadeiras especiais, esponjas com cabos alongados ou fixadas nas mãos, fixadores para sabonetes ou frascos de xampu auxiliam o banho. O piso do banheiro deve ser anti-derrapante e as pias e os vasos sanitários, instalados de maneira a serem facilmente alcançados pelas crianças. Em algumas circunstâncias, recomenda-se ainda a instalação de barras laterais ou dianteira para a criança apoiar-se, no local de banho e do vaso.
Quanto à locomoção, as crianças com envolvimento motor grave necessitam carrinhos especiais ou cadeiras de rodas adaptadas. As principais adaptações são cintos de segurança, tábua-mesa para alimentação e atividades pedagógicas e assentos feitos de espuma especial, moldados individualmente de maneira a oferecer apoio para o tronco e a cabeça. Estas medidas facilitam a manutenção de uma postura mais funcional promovendo certo grau de relaxamento e facilitando os cuidados diários e algumas atividades com os membros superiores.
Algumas crianças, principalmente as com movimentos involuntários, podem apresentar deficiências motoras graves, com incapacidade para realização de movimentos funcionais, e inteligência normal. Adaptações em móveis, alargamento de portas, modificações em banheiros e construção de rampas para permitir o acesso da cadeira de rodas são medidas importantes para que essas crianças possam adquirir maior grau de independência na escola.
O principal objetivo do treinamento nas AVDs é que cada criança alcance seu potencial de realização das diversas atividades e, para que essa meta seja atingida é preciso que haja treinamento sistemático e uma boa integração entre a família, a escola e a sociedade. As visitas domiciliares e escolares são, portanto, importantes, pois conhecendo o meio em que a criança vive é possível planejar e sugerir as modificações necessárias para que possa haver maior grau de independência. A busca de orientação quanto às AVDs surge com o crescimento da criança. Mobilização, locomoção e transporte tornam-se mais difíceis e uma expectativa quanto à possibilidade de maior independência pode emergir tanto por parte da criança quanto dos pais. No entanto, mesmo conhecendo o potencial funcional do filho, os pais tendem a realizar as diversas atividades por ele. Esta atitude pode estar relacionada com o fato de que a criança, muitas vezes, gasta muito tempo para realizar uma determinada atividade. Além disso, expectativas com relação à normalização dos movimentos e aquisição de marcha podem ainda estar existindo. Entretanto, ao impedir que a criança realize, ela mesma, as atividades do seu dia, estaremos privando-a do prazer de fazer e da conquista da capacidade para realizar cada atividade.
Meios Alternativos de Comunicação e Locomoção
Muitas crianças com paralisia cerebral, apesar de terem inteligência normal, podem apresentar dificuldades de movimento tão graves que prejudicam a sua capacidade para falar, escrever e andar.
As crianças com tetraplegia espástica ou coreoatetose apresentam dificuldade para articular a palavra - disartria. Muitas delas, apesar de entenderem a linguagem falada, têm grande dificuldade para a comunicação, pois por causa da disartria não se pode compreender o que elas tentam falar. Nesses casos, a comunicação só é possível através de gestos, expressões faciais e vocalizações. Em algumas crianças, o envolvimento motor é tão grave que até mesmo a expressão facial ou a linguagem gestual são prejudicadas, a ponto de somente as pessoas mais próximas serem capazes de compreendê-las.
Alguns recursos alternativos com sistemas de linguagem e adaptações como apontadores de cabeça ou de queixo já foram desenvolvidos para ajudar na comunicação dessas crianças. Atualmente, as pesquisas em engenharia de reabilitação têm procurado cada vez mais utilizar o computador como recurso para o desenvolvimento de equipamentos, interfaces (dispositivos que permitem o acesso aos comandos do computador) e softwares que viabilizam a comunicação e o processo de alfabetização.
Quanto à locomoção, nas formas graves de PC, a marcha independente não é possível ou determina gasto energético elevado. Portanto, dependendo do grau de envolvimento motor e do déficit de equilíbrio, auxílios para a locomoção, tais como andadores (posterior e anterior), bengalas canadenses, carrinhos ou cadeira de rodas podem ser necessários. Os andadores são recomendados para as crianças com déficit de equilíbrio ântero-posterior e látero-lateral, pois elas necessitam um apoio maior para a deambulação. As bengalas tipo canadense são geralmente indicadas para as crianças que não apresentam deficiência importante do equilíbrio látero-lateral. As crianças com diplegia grave ou com envolvimento total são dependentes da cadeira de rodas para a locomoção. As adaptações são muitas vezes necessárias para que se consiga um bom posicionamento na cadeira. Para as crianças menores, o meio de locomoção mais indicado seria um carrinho mais baixo do que a cadeira comum, possibilitando maior independência nas transferências, e que possa ser impulsionado pela própria criança.
Tratamento da Espasticidade
A espasticidade é a alteração do movimento observada quando os neurônios (unidades básicas do tecido cerebral) que controlam a ação muscular são lesados. Os músculos tornam-se tensos e os movimentos voluntários podem ser prejudicados.
Muitos profissionais que se dedicam à área da reabilitação consideram que o tratamento da espasticidade pode amenizar as dificuldades de muitas crianças com PC. No entanto, nenhum dos recursos até então utilizados é perfeito. Muitas crianças podem melhorar em alguns aspectos, mas continuam com dificuldades para realizar o movimento. Muitos dos tratamentos, hoje disponíveis, estão ainda em nível de pesquisa. Isto porque, a real eficácia e os resultados a longo prazo não foram até o momento demonstrados. Isto faz com que certos tipos de abordagem permaneçam restritas a determinados grupos ou instituições que desenvolvem pesquisas na área médica. Além disso, outros fatores limitantes são o alto custo e principalmente os riscos de alguns meios de tratamento.
Algumas medicações orais podem determinar uma melhora parcial por curtos períodos de tempo em algumas crianças. Mas, além dos efeitos indesejáveis, tais como sonolência, náuseas e vômitos, no caso do baclofen, e sonolência ou quadro de agitação em crianças menores, no caso do diazepan, o que se observa na maioria das vezes é pouca ou nenhuma reposta com relação à redução da espasticidade.
A injeção de álcool diretamente num determinado músculo, reduz sua espasticidade e este efeito pode se prolongar por até seis semanas. Durante este período, algumas crianças entram num programa mais intensivo de atividades. Para outras, recomenda-se o uso de gesso ou talas. O que se procura alcançar trabalhando um músculo originalmente espástico, agora mais relaxado sob o efeito do álcool, é a melhora de um padrão de movimento ou a correção parcial de uma deformidade, evitando ou adiando a necessidade de cirurgia. Como a injeção muscular de álcool é dolorosa, o procedimento tem que ser feito sob anestesia.
A toxina botulínica vem sendo cada vez mais usada. Apesar de cara, ela tem algumas vantagens em relação ao álcool: sua injeção não é tão dolorosa e o seu efeito é bem mais prolongado (3 a 6 meses). Quando o resultado observado com a primeira injeção é bom, às vezes se decide fazer injeções repetidas, a cada três ou seis meses, mas, neste caso, pode haver formação de anticorpos contra o antígeno da toxina, resultando em anulação do seu efeito.
Uso de órteses
As órteses são usadas principalmente com o objetivo de posicionarem melhor um segmento corporal e, desta forma, permitirem uma função melhor.
Na presença de movimentos involuntários, não são recomendadas, porque os movimentos constantes produzem atrito entre a pele e a órtese, causando desconforto e podendo terminar em ferimentos.
Como regra geral, deve-se estabilizar o menor número de articulações possível. Quanto maior o número de articulações imobilizadas, maior a perda da performance e, além disso, alguns tipos de órteses podem enfraquecer os músculos, aumentando a dificuldade de movimento.
As principais indicações para o uso de órteses na PC são: (a) estabilizar articulações no período pós-operatório permitindo a marcha precoce; (b) manter os ganhos de amplitude de movimento articular obtidos após trocas sucessivas de gesso, manipulações ou bloqueios mioneurais; e (c) estabilizar ou melhorar o posicionamento de segmentos corporais com deformidades dinâmicas (não estruturadas) ou pequeno grau de estruturação objetivando melhorar a função.
As órteses somente devem ser prescritas quando o objetivo é melhora da função. Se mal indicadas ou mal confeccionadas, podem trazer prejuízos à criança. Uma vez iniciado o uso, devem ser constantemente revisadas, não somente pela necessidade de modificações à medida que a criança cresce, mas também para reavaliação dos benefícios reais em termos funcionais. Em algumas situações, para se evitar gastos desnecessários, os efeitos da imobilização de uma articulação podem ser testados com uma tala de gesso antes de ser solicitada a confecção da órtese.
Cirurgias Ortopédicas
A paralisia cerebral é uma condição não progressiva, mas o quadro motor e funcional pode se modificar com o crescimento. Nas crianças espásticas, o desenvolvimento de deformidades articulares é comum, devido ao encurtamento muscular, mas a correção de uma deformidade nem sempre implica melhora funcional.
A espasticidade prejudica o movimento voluntário. A criança está então impedida de se movimentar normalmente e, como ela não se movimenta, o músculo encurta. Quanto mais grave a espasticidade, maior o encurtamento muscular e mais graves as deformidades.
Algumas deformidades podem ser tratadas cirurgicamente, mas se mal indicados, certos procedimentos podem inclusive terminar em perda da capacidade para andar. E esta não é uma situação incomum. Um bom resultado de tratamento cirúrgico depende do emprego de uma técnica correta, aplicada no momento certo, ou seja, quando a criança está neurologicamente pronta para atingir mais um marco do seu desenvolvimento e não o faz por causa de uma deformidade músculo-esquelética que pode ser tratada.
Em uma criança com bom prognóstico para a marcha, consideramos que o momento ideal para se programar a cirurgia será quando ela já tiver estabelecido o seu padrão de marcha, o que geralmente ocorre entre seis e sete anos de idade. Antes desta idade, o preferível é deixar que a criança explore o ambiente, da maneira mais livre possível permitindo, assim, que ela seja ser ativo do seu próprio processo de desenvolvimento. Determinadas cirurgias, se realizadas precocemente, podem atrasar o desenvolvimento devido a imobilizações prolongadas. Além disso, a possibilidade de recidiva com o crescimento e os riscos de hiperalongamento ou inversão da deformidade serão maiores. A realização de um segundo procedimento em uma mesma articulação será sempre mais difícil.
Um outro problema com o qual nos deparamos, é que na maioria das vezes, uma deformidade não se apresenta isoladamente. Ela determina um certo desequilíbrio e acaba por produzir outras deformidades, chamadas de secundárias. Muitas vezes, é difícil saber se uma deformidade é primária ou secundária.
Alguns ortopedistas com experiência em tratamento de crianças com PC defendem a idéia de que os programas cirúrgicos devem ser elaborados de maneira a corrigir as várias deformidades em um só tempo. Eles consideram que os resultados de procedimentos que envolvem somente uma articulação são imprevisíveis, e que qualquer deformidade residual pode produzir deformidades secundárias ou induzir a recorrência de deformidades antigas em articulações adjacentes. Outras vantagens deste tipo de abordagem seriam a redução do tempo de internação, e principalmente do número de exposições a anestésicos e outras situações que, de uma ou outra maneira, podem interferir negativamente com relação à dinâmica familiar e ao desenvolvimento da criança. Mas, nesses casos, a criança deve ser muito bem estudada antes de se tomar a decisão de operar. O risco de estarmos corrigindo mecanismos compensatórios e não o mecanismo primário que está determinando as alterações na marcha deve ser considerado.
No SARAH, a cirurgia faz parte de um programa global de tratamento. Na maioria das vezes, os programas são decididos em equipe e tanto o estágio do desenvolvimento motor em que a criança se encontra quanto aspectos cognitivos e emocionais que possam interferir no pós-operatório são levados em consideração. A avaliação da marcha em laboratório de movimento nos ajuda a compreender melhor as alterações primárias do movimento, distinguindo-as dos mecanismos compensatórios. Além disso, o exame de marcha fornece informações quanto à atividade elétrica dos músculos em movimento, facilitando a compreensão dos mecanismos que geram as deformidades.
A maioria das cirurgias ao nível dos membros inferiores tem sido indicada com os seguintes objetivos: (a) correção de deformidades estruturadas que estão impedindo maior independência ou prejudicando a função; (b) melhora do padrão de marcha diminuindo o gasto energético e tornando a marcha mais funcional; (c) prevenção da dor, principalmente ao nível dos quadris; (d) facilitação da higiene e outros cuidados. O que se procura com a cirurgia ortopédica é, na maioria das vezes, aumentar a amplitude de movimento de uma articulação através de tenotomias, alongamentos ou transferências de músculos ou tendões. Os procedimentos cirúrgicos mais freqüentemente realizados nas crianças que adquirem a marcha são: alongamento dos flexores mediais do joelho, liberação distal do reto femoral e alongamento do tendão de Aquiles.
Antes da cirurgia, a família recebe explicações claras quanto ao procedimento, objetivos que se quer alcançar e os cuidados pós-operatórios. A criança é também orientada e o tema da cirurgia é abordado por uma terapeuta e uma psicóloga através de atividades lúdicas. O tempo de internação é curto. Os pais são orientados quanto aos cuidados gerais, posicionamento e exercícios que podem ser realizados em casa. Após a retirada do gesso o programa de atividades físicas passa a ser mais intenso. Nesta fase, a hidroterapia ou atividades desenvolvidas na água contribuem para a recuperação dos movimentos. Os pais continuam participando do processo de reabilitação e é importante que tanto a criança quanto a família compreendam que meses poderão se passar até que a fraqueza muscular pelo desuso seja vencida. A partir de então os resultados funcionais da cirurgia poderão ser avaliados.
Educação
Dependendo do potencial cognitivo, ou seja, da capacidade para aprender, uma criança com PC pode estar apta a freqüentar a escola regular em classe compatível com sua faixa etária.
As crianças com tetraplegia espástica geralmente apresentam envolvimento cognitivo grave. Crianças com outros tipos de PC apresentam deficiência cognitiva leve ou moderada e podem freqüentar o ensino especial. No Brasil, existem Centros de Educação Especial administrados pelo governo, por instituições filantrópicas ou pertencentes à rede privada, que dispõem de atendimento a estas crianças.
Algumas crianças, apesar de mostrarem capacidade para aprender, necessitam ensino especial devido a distúrbios sensoriais. Algumas das instituições citadas possuem modalidades de atendimento especializado para crianças com deficiência visual ou auditiva.
De acordo com a constituição brasileira, tanto as escolas públicas quanto as particulares têm obrigação de aceitar a matrícula de qualquer aluno com deficiência física desde que ele tenha capacidade para acompanhar o ensino regular. Quando o envolvimento motor é importante, a escola deve considerar e respeitar limitações como escrita lenta ou dificuldade para a fala. Nessas situações, a escola deve encontrar estratégias que possam viabilizar a aprendizagem. Qualquer limitação motora pode ser minimizada através de recursos didáticos compatibilizando aprendizagem e dificuldade de movimento, ou de meios alternativos oferecidos pela engenharia de reabilitação.
Aspectos Psicossociais
Em uma criança com deficiência física, a exploração e a manipulação dos objetos, a locomoção, e a interação com a família não podem acontecer normalmente. Isto faz com que o desenvolvimento da criança com certos tipos de PC ocorra de uma maneira diferente. A impossibilidade para correr, jogar bola, e andar de bicicleta vai aos poucos dando à criança a noção de "ser diferente". Na idade escolar, muitas delas já estão conscientes de suas dificuldades e poderão necessitar de ajuda para melhor lidarem com os sentimentos de tristeza ou as diversas perdas ocasionadas pela condição de "ser diferente".
Uma criança com PC apresenta necessidades específicas em cada etapa do seu desenvolvimento. Por exemplo, durante os seis primeiros meses de vida, predominam as necessidades com relação aos cuidados médicos - avaliações clínicas, realização de exames complementares, orientações sobre a patologia, aconselhamento e apoio aos pais. Durante a primeira infância, um dos principais objetivos do acompanhamento passa a ser a estimulação do desenvolvimento neuropsicomotor. À medida que a criança cresce, vão surgindo as necessidades relacionadas com a inserção social, como maior grau de independência, escolarização, orientação vocacional e reforço do suporte psicológico à criança e à família nos momentos críticos.
Em determinadas etapas do desenvolvimento, além dos programas de reabilitação e do acompanhamento médico em esquema ambulatorial, muitas crianças necessitam repetidas hospitalizações ou intervenções cirúrgicas. A rede de apoio social formal (serviços e recursos da comunidade, incluindo as relações com profissionais de saúde) e informal (relações com amigos e familiares) é importante no que se refere ao processo de adaptação dos familiares à deficiência. No que diz respeito à rede de apoio formal, ela nem sempre é eficaz. É comum haver um grande número de profissionais, de diferentes serviços, envolvidos no acompanhamento da criança. Estes profissionais, muitas vezes, apresentam condutas divergentes entre si, acarretando insegurança aos pais quanto à escolha e tomada de decisões com relação ao tipo de cuidados e tratamento da criança. Além disso, a inexistência ou precariedade de recursos de tratamento para determinados problemas representa mais uma fonte de estresse que interfere com o processo de adaptação da família à deficiência.
O profissional que assiste a criança tem um papel importante na mediação do estresse familiar. Os pais necessitam de profissionais experientes que parem para ouvir as suas dúvidas e preocupações, passem as informações com sensibilidade e respeito e tenham consciência de suas limitações.
A melhora da criança com PC é lenta e demanda um constante equilíbrio dos familiares e dos profissionais, entre o que se quer e o que é possível, e cabe à equipe que trata da criança uma atitude de apoio aos familiares com o objetivo de fortalecê-los para que possam realizar os cuidados adequados e enfrentar as dificuldades que acompanham o processo de ajustamento à deficiência. Este processo torna-se mais fácil quando pais e profissionais de saúde trabalham em busca dos mesmos objetivos.

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Atendimento no SARAH

Atendimento a Crianças com Distúrbio do Desenvolvimento Neuropsicomotor
Este programa se desenvolve em um espaço específico, onde as crianças comparecem acompanhadas pela família para atendimento em horário marcado. Os pais (ou responsáveis) recebem orientação quanto à patologia, à estimulação do desenvolvimento, escolarização, inserção social e qualidade de vida da criança,
O programa inclui vários sub-programas, dentre eles, estimulação do neurodesenvolvimento, atividades de vida diária, comunicação, tratamento intensivo de crianças com lesão cerebral recente, nutrição, acompanhamento pré- e pós-operatório e atendimento psicopedagógico.
Quem é Atendido
Crianças com paralisia cerebral, síndromes genéticas, seqüelas de traumatismo crânio-encefálico e acidente vascular cerebral, outras doenças neurológicas que acometem o encéfalo e distúrbios do desenvolvimento psicomotor cuja causa ainda não foi esclarecida.
Como é Feito o Acompanhamento
Antes de ser encaminhada ao programa, a criança passa pelo Ambulatório Médico. É no Ambulatório que ela é examinada, buscando-se esclarecimentos em relação ao seu problema.
Em seguida, a criança é avaliada por profissionais do programa de reabilitação que definem os objetivos do tratamento e o tipo de acompanhamento a ser realizado, levando-se em consideração faixa etária, nível de desenvolvimento e potencial neurológico. Os pais e outros membros da família acompanham todo o processo de tratamento, participando dos atendimentos e realizando as atividades de estimulação no ambiente próprio da criança.
Princípios da Abordagem
  1. Abordagem abrangente considerando os aspectos motor, cognitivo, afetivo e sócio-cultural.
  2. O programa de tratamento é traçado de acordo com metas que possam ser atingidas, ou seja, estabelecidas em função do problema, das necessidades e das possibilidades de cada criança.
  3. Centralização na participação da família e na concepção da criança como ser ativo do seu processo de reabilitação, o que torna a estimulação mais efetiva e viabiliza uma menor dependência do contexto hospitalar.
  4. O objetivo central do programa de reabilitação para crianças com distúrbio do neurodesenvolvimento é possibilitar à criança adquirir o maior grau de independência possível, e, assim, favorecer sua participação na sociedade em que vive.

Fonte: REDE SARAH E REABILITAÇÃO

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Disfagia - que bicho é esse?


   Em primeiro lugar, disfagia não é propriamente uma doença, mas sim um sintoma (mal comparando, similar a uma febre). Qualquer mudança encontrada no processo de deglutição, assim considerado o trajeto do alimento da boca até o estômago, pode ser considerada uma disfagia.

   Muitas vezes (verdade seja dita) é seqüela de um problema anterior, como no caso das lesões cerebrais, mas também pode estar relacionado simplesmente a um problema mecânico ou à maturação do sistema nervoso central e periférico.

   No que diz respeito à maturação do sistema nervoso central (funções neurovegetativas de sucção, respiração, deglutição e mastigação), o crescimento biológico do recém-nascido gradualmente reorganiza as dificuldades que os recém-nascidos pré-termo apresentam, como sucção incompleta ou ausente, atraso para o início da deglutição, lentificação do trânsito oral e incoordenação entre as funções de respiração, sucção e deglutição*.

    É possível que a maturidade de cada função ocorra isoladamente e em fases diferentes do desenvolvimento da criança. Estas diferenças são bem conhecidas pelo fonoaudiólogo, assim como as técnicas de intervenção*.
 
  A Marina, em razão da prematuridade (justamente pela maturação incompleta dos comandos cerebrais), já apresentava desde o nascimento dificuldade para deglutir. Mas nunca priorizei especificamente o tema porque sempre acreditei na transitoriedade e na simplicidade deste sintoma, apesar de ter explicado um pouco no tópico sobre amamentação.

 Transitório com toda certeza era, pelo menos antes da parada cardiorrespiratória. Simples nem tanto...Os riscos que uma disfagia podem ocasionar são grandes, e o maior é a aspiração, isto é, a entrada indesejada de alimento, saliva e/ou secreções na via aérea, o que pode provocar pneumonia aspirativa e infecções respiratórias. Além disto, há também risco de desnutrição e até morte, independentemente da faixa etária.

   Até os quatro meses, o aleitamento materno de minha pequena foi um árduo, lento e paciente trabalho de espera. Ela foi para casa sem mais tanto apego por violeta (cianose), a cor predileta dela na UTI Neonatal, mas em casa, a amamentação durava no mínimo uma hora, e em média uma hora e meia.

  Já imaginaram como eu ficava? Sim, o dia inteiro dando mamadeira, ordenhando leite na máquina pra estimular a produção do meu leite, e insistindo (muito), pra que minha doce criança ficasse acordada pra mamar. Claro, como demorava muito, ela cansava e desistia por exaustão..

  Detalhe: na UTI Neo o Rafa (super pai, não se esqueçam), sempre assumia a função de dar mamadeira, porque eu tinha pânico de ver a Marina roxa em meu colo. Mas em casa, o que fazer? O jeito era aguentar até ele voltar do trabalho, e agradecer porque ele participava ativamente da rotina de amamentação, sempre que podia.

  Voltando à discussão do por quê da disfagia, uma parte do problema já sabíamos qual era, porque a Marina nasceu com 32 semanas, e a dificuldade pra mamar é bem comum em bebês prematuros. O outro problema, que resolvemos aos quatro meses completos, era a malácia de laringe, um "amolecimento" maior da cartilagem responsável pela abertura/oclusão da passagem do ar/alimento.

  Aqui, um pequeno parêntese: nunca é demais pedir uma segunda opinião, ao menos quando as coisas parecerem estagnadas. Eu e o pai da Marina resolvemos fazer isso após noventa dias (noventa!) de muita paciência e nenhum importante ganho de peso da pequena, além de algumas dezenas de noites mal dormidas em razão da respiração estridente e preocupante da baixinha.


 Como a disfagia compromete tanto a parte respiratória como a nutrição do bebê, foi necessário introduzir, com auxílio do pediatra da Marina, uma especialista em deglutição, a fonoaudióloga.

 Só após a cirurgia da malácia foi que iniciamos o acompanhamento com a fono. A fono, neste momento, foi resultado da mudança de pediatra (a segunda opinião), que para o desenvolvimento da pequena foi de grande importância.

  No caso da Marina, o líquido (leite, no começo, e água e suco, depois), acabou sendo engrossado aos poucos após um rigoroso acompanhamento da fonoaudióloga e a introdução de pequenos volumes de dieta pastosa e de sucos engrossados de frutas e/ou gelatinas, o que garantia uma boa nutrição e a segurança de que a aspiração seria eficientemente evitada.

 Tudo evoluiu tão perfeitamente que nossa vida nem parecia ser tão diferente da de outros bebês, embora fosse, de fato. A comidinha da Marina era sempre processada e, aos poucos, conseguimos fazê-la gostar de água! Gostar nem tanto, mas ao menos beber sem engasgar.

  Até o dia 17 de outubro, dia da parada cardiorrespiratória, já tínhamos agendado com a fono, inclusive, a introdução de alimentos sólidos (franguinho desfiado seria o primeiro desafio). Mas a dita parada mudou tudo...

 Agora, dia 27 de dezembro, após 70 dias de internação, sequer conseguimos estabelecer um processo mínimo de ingestão.

  Após o videodeglutroma da deglutição (uma endoscopia do processo de ingestão), o mesmo exame que fizemos no início do tratamento da baixinha, foi necessário agora na internação, porque infelizmente, retrocedemos, sem saber exatamente o quanto é possível evoluir.

   Já fizemos alguns testes, uns com sucesso, outros nem tanto, mas ao menos é possível dizer que saímos do zero. Enquanto isso, acordo todos os dias pensando nas forças que precisamos ter para acreditar que tudo há de melhorar.

 Espero ansiosa por 2012, cheia de expectativas sobre todo este universo que não conheço e que quero desvendar.

   Por isso, não posso deixar de dizer que só estou confiante na melhora porque a Marina conta com uma extraordinária e dedicada equipe de profissionais, além de uma família espetacular, que bem mais que estar presente, está pronta pra cuidar, pra vencer desafios, pra superar todos os obstáculos.

    A receita: amor, simplesmente amor.


*Fonte: http://www.sbfa.org.br/portal/pdf/comitedisfagiautineonatal.pdf