sábado, 26 de novembro de 2011

Prontuario - um diário de lágrimas

   Hoje é dia 26.11.2011 (sábado), e completamos 40 dias na UTI Pediátrica. Marina, eu, o pai dela e os avós já estamos cansados da rotina hospitalar, mas ela é tão necessária quanto desafiadora pra nós, porque só aqui, perto de quem entende de intercorrências das mais diversas, é que poderemos aprender a lidar com este mundo sem manual e sem atalhos.

   Eu pensei, pensei e pensei sobre quais seriam os 12 melhores momentos para postar aqui, e então relembrar de tudo o que vivemos ao lado de minha doce e encantada Marina. Mas...de verdade, só consigo pensar nas páginas e páginas de evolução diária de minha pequena.

  Já tentei me desvincular um pouco, mas sempre que me vejo aflita, sem respostas, sem saber como será o amanhã, acabo me prendendo aos hieróglifos médicos.


   Conversando com a psicóloga da equipe hospitalar, expliquei a ela (ou terá sido a mim mesma?) que nesta perturbadora interrogação sobre os trajetos que iremos trilhar, o prontuário representa a única pista, ou as únicas respostas que a vida verdadeiramente pode me me dar sobre o que a Marina é hoje, por mais dura, triste e inconsolável que seja a realidade daquelas linhas...daquele diário de lágrimas.


   É certo que não há colorido, não há canções, não há rima naquelas escuras pautas, mas de algum modo ali encontro um traçado real desta nova vida, ao menos um croqui para pensar em como construir, e sobre o que construir, nossas inúmeras expectativas.


   Já se vão 40 dias. Já se foram muitas linhas desse diário de lágrimas. 


 Agora (quem sabe agora?) talvez seja possível pensar em um esboço arquitetônico de formas mais leves, de traçados sutis. Algum aconchego que suplante ou amenize a saudade dos dias risonhos, das manhãs perfumadas de nenê, das noites de caloroso ninar.


  Seja lá como for, sei que posso escrever um diário diferente. E assim o farei.


  Beijo minha linda. 


  Tua mamãe coruja.



terça-feira, 22 de novembro de 2011

Apenas 12 minutos

Apenas 12 minutos. Foi esse o tempo que separou Marina de nós. Por 12 minutos, sem que soubéssemos, um incêndio ocorreu dentro dela, em todos os giros de seu pequeno e vívido cérebro.

Era dia 17 de outubro, e ao menos em princípio nossa estada pelo hospital seria rápida, já que o objetivo de ter levado a pequena até ali se resumia à ressecção (corte cirúrgico) de um pequeno cisto localizado no ducto tireoglosso, uma estrutura que faz muito sentido apenas na fase embrionária, fase na qual o ducto comunica a glândula tireóide (do grego thyreós = escudo, e oidés = forma de), com a região posterior da língua (do grego glossa=língua). Passada esta etapa, a presença residual do ducto pode provocar a formação de cistos.

Tudo bem até aqui. Sabíamos que alguma coisa na fase embrionária na Marina realmente ficou mal resolvida, já que os desajustes do olhinho dela também se vinculam às primeiras semanas de vida intra-uterina.

Mas de todas as cirurgias que ela fez (esta foi a 6ª da vida dela), a ressecção do cisto seria a mais simples. Além do cisto propriamente dito, o cirurgião nos explicou que precisava retirar também a porção central de um pequeno osso localizado na parte alta do pescoço, chamado osso hióide, para evitar novos nódulos, uma complicação comum quando não se extrai um pedacinho do tal osso.

Qual não foi nossa surpresa e desespero ao saber que nossa Marina, tão forte e combatente em todas as honrosas lutas já experimentadas precocemente, sofrera uma parada cardiorrespiratória. Uma parada cardiorrespiratória Deus meu!

Foram 12 minutos apenas. Durante esse tempo interrompeu-se toda a circulação sanguínea no cérebro (isquemia), em razão da interrupção súbita dos batimentos cardíacos (assistolia) e da respiração (apnéia obstrutiva).

Para os médicos, um insulto hipóxico-isquêmico. Para a Marina, uma camisa de força invisível se apossou do seu até então intacto universo neurológico. Para mim, uma injusta mordaça silenciou nossos sonhos mais simples: o que mais a minha filha poderia falar amanhã? Semana que vem ela caminharia sozinha? E final do ano, conseguiríamos levá-la até Brasília e Belém para conhecer a família?

Que ironia isso tudo. Eu que sempre provoquei a máxima comunicação, de repente me deparei com um mundo sem sons, sem sinais, sem qualquer aceno, próximo ou remoto, do que seria o futuro de nossas vidas.

Tão determinada a viver os passos objetivamente traçados, sorvendo aos poucos cada conquista vivida ao lado de minha notável criança, agora me sinto refém da incerteza.

De qualquer modo, sei que o cérebro da Marina estava em repouso durante aqueles 12 minutos. O estado anestésico tem o mesmo efeito que um coma induzido, deixando o organismo funcionar apenas no que for indispensável.

Por isso mesmo, ao contrário do consumo de 35% normalmente exigido para toda a complexa atividade cerebral, possivelmente naqueles intermináveis 12 minutos, no máximo 20% de consumo energético seriam necessários para mantê-la sã e salva.

Considerando, ainda, que apenas a partir do 4º minuto é que se estabelecem efetivas perdas neurológicas, posso me tranquilizar (será?) que 1/3 do caminho poderá se reconstituir com o tempo. Os outros 2/3, só o tempo dirá.

De novo objetivamente, sei que ninguém, nem mesmo os mais renomados neurocientistas, desvendou os mistérios das funções neuronais.

E assim, com tantos espaços inexplorados, sei que é perfeitamente possível, com muito estímulo, ver minha filha novamente falando, caminhando, comendo, estalando beijinhos.

Não posso deixar de acreditar na capacidade de adaptação (plasticidade) que o cérebro possui para absorver novas informações. E se é tão hábil assim, posso acreditar que ele reaprende ou ao menos é capaz de recuperar tudo o que já ensinamos.

Coincidência ou não, o último filme que tenho das peripécias da Marina é do dia 12 de outubro. Assim, cheguei à conclusão que vou relembrar 12 bons momentos, como 12 bons motivos pra superar aqueles minutos em que minha doce Marina se perdeu de nós.

Seja lá como for, não serão 12 minutos que me farão desistir de te reencontrar minha baixinha, estejas onde estiver, haja o que houver, dure o tempo que for preciso.

Beijo, 


Mamãe Coruja