terça-feira, 31 de julho de 2012

Quebrando o silêncio

  Já estamos no final de julho de 2012, e hoje a fisioterapeuta da minha baixinha, Dani Ilha, disse-me o seguinte: “como esse mundo é pequeno”. Falávamos assim porque depois de alguns pontos costurados em nossa última conversa, descobrimos várias pessoas de nossa rede social  que se conectam, aqui e ali, e acabam conhecendo nossa história.
  Minha percepção é que vivemos essas conexões como numa grande colcha de patchwork. Algumas pessoas passam por nós e deixam fundas marcas, outras suaves, algumas nem tanto... Certo é que todas elas, sem dúvida, desenham e configuram uma forma única, como aquelas colchas artesanais, onde os tecidos, os pontos, os coloridos, alimentam-se da passagem de cada novo indivíduo para temperar com cor, forma e textura, a história única arrematada pelas mãos do artesão.
   Eu cheguei na minha aula da noite pensando nisso. Aliás, mais do que isso, vinha eu pensando na lacuna que havia deixado em minha “colcha” virtual, o blog que dediquei à minha filha.
   Dani havia me dito que eu não tinha a mínima ideia de quantas pessoas acompanhavam nossa história. Tia Ana, dias atrás, também me perguntou sobre as atualizações. Falou da Iola (Iolanda, mãe da Bia, minha amadinha), que lá de longe ficava mais perto de nossos passos.
   Com essas coisas em mente, fui aprender um pouco mais sobre coordenação motora, equilíbrio, senso de espaço, entre outras questões de teor menos técnico, como voltar a rir de mim mesma pra me sentir melhor.
    No meio da aula, um comentário inocente sobre a chuva me chamou a atenção. Nada demais, em princípio, já que a turma é de gente muito divertida e acolhedora. Um dos colegas da turma mencionou algo como: “hoje me sinto como o dia chuvoso lá fora...
    Lembrei de Nik Wallenda, que em junho deste ano se tornou o primeiro homem, após quase 120 anos, a andar sobre as cataratas de Niágara, na fronteira do Canadá com os Estados Unidos, equilibrando-se sobre um cabo. Segundo os noticiários, Wallenda, de apenas 33 anos, foi o primeiro na história a fazer a travessia bem em cima das quedas d’água.
   As imagens divulgadas simultaneamente à travessia, davam impressão de que o equilibrista atravessava uma chuva fortíssima e turva, algo nada divertido, à primeira vista.
    Mas o equilibrista, que se conectava aos milhares de espectadores por um fone, dizia estar tomado por uma sensação de paz, concluindo para todos que o assistiam: “É uma visão inacreditável. Isso é realmente de tirar o fôlego.”
    Esses pensamentos juntos me fizeram quebrar o silêncio.
  Tempos atrás comecei, por várias vezes, um texto que tratava da sensação que eu tinha ao caminhar com minha filha na rua e da forma como gostaria de ser vista. Esse deveria ser o texto inaugural da volta pra casa.
    O que queria dizer e não conseguia, mas agora está claro, é que não importa as dificuldades que passamos em nossas vidas. Não é isso que importa!
    Importa é a perspectiva que temos quanto a essas situações vividas. E confesso que demorei para me convencer de que seria capaz de dizer algo motivador, por uma razão muito simples: eu não me sentia motivada, ora essas!
    Eu só enxergava a chuva, a névoa, o tom gris das nuvens cheias da iminente precipitação. Eu mesma me sentia uma nuvem à beira de uma chuva de lágrimas!
   Pois bem. Ouvindo o inocente comentário desta noite, percebi claramente que isso mudou. Mudou porque se por um momento pensei que um tsunami me carregou para longe dos meus sonhos, deixando apenas a visão dos escombros, nos momentos subsequentes eu percebi, talvez não tão rápida como a invejável nação japonesa — foram apenas poucos meses para restabelecer estradas, pontes, viadutos, edifícios, em meio a milhões de toneladas de entulho! —, que eu poderia simplesmente tirar o foco dos escombros e olhar para a vida por uma perspectiva mais ampla, como aquela de Wallenda.
   Certamente posso, agora, dizer que quase todos os dias vivo ao lado de Marina experiências de tirar o fôlego, mas a visão que ela me dá desta nova vida, desde então, é uma visão inacreditável!
   O mais incrível: ela só tem dois anos. Como eu poderia imaginar que uma criança poderia marcar tão profundamente minha vida? E mais que isso: fazer perceber a chuva como quem sente o as gotas d'água soprando à beira de uma enorme e prazerosa catarata?
    Isso realmente é de tirar o fôlego. Isso é realmente inacreditável...Mas é possível, tanto que está acontecendo, e é a razão para quebrar o silêncio hoje.
    Minha filha, Marina, é uma criança com múltiplas deficiências hoje, mas acima de tudo, é uma CRIANÇA, é alguém que ama e é amada incondicionalmente, é alguém que semeia o amor entre seus pais, avós, tios, tias, dindos, amigos.
   Assim, queridos visitantes deste blog, preciso dizer que só tenho amadurecido ao lado desta criança. Às vezes docemente, às vezes muito duramente, mas a maturidade é assim mesmo, vem aos poucos, e com diversas nuances.
    A perspectiva que fica, e isso é o que importa, é entender o que minha criança precisa, não porque ela é pessoa com deficiência, mas simplesmente porque ela é PESSOA, com sentimentos, com sentidos, com todas as expectativas que qualquer um de nós tem de que o mundo nos receba de braços abertos, principalmente pelas pessoas que tanto amamos.
    Assim, que venha 2012 com toda a força!
    Da sempre apaixonada, 
    Mamãe coruja.